Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu um dos períodos mais controversos da sua história recente. Enquanto alguns chamam esse tempo de regime militar, a maior parte dos historiadores e instituições de direitos humanos o classificam como ditadura militar. Mas qual termo é o mais adequado? Este artigo traz uma análise embasada para esclarecer essa dúvida.
Entendendo os Conceitos: Regime Militar vs. Ditadura

O que é um Regime Militar?
O termo “regime militar” é utilizado para descrever um período no qual os militares controlam o poder político de um país. Ele pode, em teoria, ter diferentes níveis de autoritarismo, mas nem sempre implica em repressão sistemática ou suspensão de liberdades civis.
É um termo mais neutro e descritivo, indicando quem está no poder (os militares), sem necessariamente julgar como esse poder é exercido.
O que é uma Ditadura Militar?
Já o termo “ditadura militar” implica em um regime autoritário, onde há repressão a direitos civis, censura, perseguição a opositores e suspensão das instituições democráticas. Nesse tipo de governo, o poder se concentra em um grupo ou indivíduo que governa sem mecanismos efetivos de controle ou alternância real de poder.
No caso brasileiro, o controle absoluto das Forças Armadas, aliado à repressão e ao fechamento das vias democráticas, caracterizam esse período como uma ditadura sob comando militar.
Características do Período de 1964 a 1985 no Brasil
1. Golpe de Estado
- O então presidente João Goulart foi deposto em 1964 sem renúncia nem impeachment.
- Militares tomaram o poder sem respaldo popular direto, interrompendo a ordem democrática.
2. Supressão das Liberdades Democráticas
- Fechamento do Congresso Nacional em 1966 e 1968.
- Suspensão de direitos civis e políticos com o AI-5 (Ato Institucional nº 5).
- Partidos foram extintos e substituídos por um bipartidarismo artificial (ARENA e MDB).
3. Censura e Repressão
- Controle rígido da imprensa, das artes e da educação.
- Prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos e assassinatos políticos.
- Órgãos como o DOPS e o DOI-CODI atuaram com métodos repressivos sistemáticos.
4. Mandatos Militares Sem Eleições Diretas
- Todos os presidentes do período foram generais do Exército: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
- Não houve eleições diretas para presidente durante todo o período.
Reconhecimento Oficial e Acadêmico
Comissão Nacional da Verdade
Instalada em 2011, a Comissão Nacional da Verdade investigou violações de direitos humanos entre 1946 e 1988 e reconheceu formalmente o período de 1964 a 1985 como uma ditadura militar. Foram identificadas 434 mortes e desaparecimentos políticos.
Historiadores e Instituições
A maior parte da produção acadêmica brasileira e internacional utiliza o termo “ditadura militar” ao se referir ao período, considerando as evidências de autoritarismo e violação de direitos.
Por Que Ainda Há Quem Prefira o Termo “Regime Militar”?
Algumas pessoas utilizam “regime militar” por motivos ideológicos, muitas vezes tentando suavizar ou relativizar os crimes cometidos pelo Estado naquele período. Há também quem associe o termo “ditadura” exclusivamente a regimes totalitários extremos, como os da Alemanha nazista ou da União Soviética — o que não se aplica ao caso brasileiro, mas serve como argumento político para minimizar os abusos documentados.
Apoio Internacional e Geopolítica da Guerra Fria
Influência dos Estados Unidos
O contexto da Guerra Fria teve papel determinante no apoio internacional ao golpe de 1964. Os Estados Unidos, temendo a expansão do comunismo na América Latina, viam governos de esquerda como potenciais ameaças. Documentos desclassificados revelam que o governo norte-americano apoiou ativamente a deposição de João Goulart.
O apoio dos EUA se deu por meio de financiamento, cooperação econômica e apoio logístico. Essa aliança refletia a estratégia geopolítica de conter o avanço da esquerda e garantir governos aliados ao bloco ocidental.
Alinhamento com a Doutrina de Segurança Nacional
A Doutrina de Segurança Nacional embasava o regime militar brasileiro e justificava a repressão interna como forma de proteger o país de “inimigos internos”. Essa doutrina inspirou-se em modelos militares estadunidenses e foi aplicada de forma intensa durante o regime.
Órgãos como o SNI, o DOI-CODI e o DOPS foram fortalecidos com base nessa lógica, contribuindo para a estrutura repressiva e o controle social exercido pelas Forças Armadas.
Resistência Civil e Movimentos de Oposição
Atos de Coragem em Meio à Repressão
Mesmo diante da censura e perseguição, artistas, intelectuais e estudantes criaram formas criativas de resistência. Expressões culturais como o Teatro de Arena, o Cinema Novo e a Música Popular Brasileira serviram como formas de denúncia simbólica e mobilização.
A UNE (União Nacional dos Estudantes) tornou-se um alvo direto do regime por sua atuação política. Muitos jovens foram presos, torturados e mortos apenas por participarem de movimentos estudantis e manifestações públicas.
O Papel das Mulheres e das Famílias de Presos Políticos
Mulheres desempenharam papel crucial na denúncia de crimes cometidos pelo Estado. Grupos como o Tortura Nunca Mais surgiram da mobilização de mães e esposas de desaparecidos políticos, que exigiam justiça e reparação.
Esses movimentos ajudaram a preservar a memória histórica e pressionar por mecanismos de verdade e reconciliação. A atuação feminina na resistência ainda é pouco explorada nos livros didáticos, mas foi fundamental.
Transição para a Democracia e Legado Político
Abertura Lenta, Gradual e Segura
Nos anos finais do regime, teve início um processo de abertura política, apelidado de “lenta, gradual e segura”. Presidentes como Geisel e Figueiredo conduziram esse processo para permitir uma transição sem rupturas bruscas.
A Anistia de 1979, o retorno dos exilados e a volta do multipartidarismo foram passos importantes. No entanto, a anistia foi ampla e beneficiou também os agentes do regime responsáveis por tortura e assassinatos.
Herdeiros Políticos e Memória Disputada
Décadas após o fim do regime, ainda há grupos políticos que tentam reabilitar a imagem da ditadura militar. Isso mostra como a disputa pela memória histórica ainda está presente no cenário brasileiro.
Reconhecer esse passado não é apenas um dever moral, mas também uma forma de fortalecer a democracia e garantir que abusos não se repitam no futuro.
Conclusão: O Nome Importa
A escolha entre “regime militar” e “ditadura militar” não é apenas semântica. Ela carrega uma visão de mundo, uma interpretação da história e, muitas vezes, uma posição política. Com base nos fatos históricos, jurídicos e institucionais, o período de 1964 a 1985 no Brasil deve ser reconhecido como uma ditadura militar.
Reconhecer o que realmente aconteceu é essencial para fortalecer a democracia, valorizar os direitos humanos e evitar que esse tipo de regime autoritário volte a se repetir.
IMPORTANTE
Este artigo foi elaborado com base em fontes oficiais, documentos históricos e literatura acadêmica. Se você identificar alguma informação imprecisa ou deseja contribuir com referências adicionais, entre em contato com nossa equipe editorial.
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